domingo, 20 de novembro de 2011

MARIA ALICE - SEGUNDO CAPÍTULO









A Maria Alice bandida foi presa pela polícia, após ter baleado um dos seguranças do escritório, quando lutou para escapar deste estabelecimento, e fugiu. Depois de algumas horas, o empregado baleado faleceu.
Sandra ficou toda nervosa e fez chilique na delegacia pedindo que tomassem providências sérias quanto à criminosa.
Melhor: ela queria que a mulher do crime que tinha o mesmo nome que a sua filha, sofresse com violência e maus tratos.

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Maria Alice morena e de parecer muito latino-americano, estava se arrumando em seu barraco-pedaço de uma hipertrofiada favela. Estava vestida com uma microssaia, uma tomara-que-caia vermelha, a boca rubra mais que o sangue e a maquiagem feita para a guerra: ela era uma garota de programa.
E, ali, naquele crepúsculo, todo bafo, a sua mãe Azaléia, baixinha e roliça, com um bigode marcando espaço semi-verde cercava a filha, sorrindo.
E então, falou o que estava radiando maligno em seu coração:
- Meu santo... Eu sô tão orgulhosa de você!
Espantada, Maria Alice:
- Oi? Orgulhosa de mim?
Sorridente-alva com um sorriso branco-amarelo-lâmpada cruel, a mãe explicou:
- Sim! Muito orgulhosa do que você é!
Atormentada:
- Mãe, eu sou uma prostituta! Você tem orgulho disso?
Azaléia apertando as bochechas da filha:
- Você está cumprindo o seu propósito. Eu te ofereci para os meus guias, para ser a grande meretriz, a paixão dos homens. Para ser amada por todas as tribos! Para ser de todos quando todos quisessem.
Afastou-se, bruscamente, da mãe, da qual, as mãos que apertavam as bochechas da filha, estavam, agora, perfumadas pela maquiagem do rosto de quem  apertava e também estavam no vácuo; estavam desprezadas sem alguém afagar.
Maria Alice:
- O QUE? Cê tá doida? Maluca varrida? Por que você faria isso?
Azaléia começa a dar uma gargalhada diabólica e cai de joelhos aos pés da filha, dizendo:
- Você foi a oferenda necessária para trazer seu pai de volta.
Maria Alice abre a porta feita de vérios pedaços de madeira, com a sua microbolsa pendurada no ombro, e antes de sair diz:
- Você é louca.

AGORA ELA ESTÁ PRESA. FOI ENVIADA PARA UMA PRISÃO PROVISÓRIA AGUARDANDO O JULGAMENTO.

E o delegado ficou insistindo com a sua voz de pigarro:
- Eu sei quem você é. Eu conheço o seu tipo.

E, dentro de si, Maria Alice:
- Até parece, até parece, até parece... Você não sabe quem sou. Não mesmo.

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6 anos atrás

Ela conheceu o Mário, mais chamado por Mamá, um traficante, que por ela, apaixonou-se. E, saiba, essa paixão foi recíproca.
Para a dor mística de Azaléia, a sua filha deixou as ruas e os programas e foi morar no sobrado do Mamá.
Após um tempo, Maria Alice quis entrar no business da maconha. Mário não aceitou de pronto, contudo numa noite, ele foi baleado e morreu. Daí então, Alice entrou no negócio como a dona; a manda-chuva; a herdeira.
E o que ela estava fazendo assaltando alguém, se ela era a chefona?
Explico: ela começou a namorar um dos caras daquele comando, que logo a ludibriou, pedindo para tomar o lugar dela na liderança. E o que essa Maria Alice fez? Carente por algum vínculo emocional, ela aceitou.
Após um tempo, ela passou a apanhar do novo namorado e mais desejosa por atenção, traiu-o com um dos subordinados. Este último foi assassinado e ela expulsa daquele clã, após apanhar muito.

Sozinha, foi até a casa da mãe, procurando por socorro.
Azaléia deu na cara da filha e gritou:
- Você fugiu do seu propósito! Você me desonrou! Sai daqui, sai! Xô, xô, xô!
E, parada debaixo da garoa fina, contemplou a neblina alva que cobria o morro onde aquela comunidade ficava. Não conseguiu chorar, pois as lágrimas já haviam esgotado do cofre em seu ventre.

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Agora chegando em uma sala-esgoto abarrotada de mulheres caídas, Maria Alice Carmo da Silva, 26. Ela pergunta com os olhos vagos:
- O que, de agora, em diante?

Enquanto isso,  a outra Maria Alice, filha de dona Sandra, chega de malas no apê da amiga Luiza:
- OOOOI!

[CONTINUA]

Minissérie de Marcello Ferreira.

sábado, 12 de novembro de 2011

O que é uma ferida

Uma ferida não é somente
o corte sangrento que se vê

Mas, também, a canção,
que por causa dos arranhões,
tornou-se muda

E, por mais que passe o tempo
maldizendo os gritos,
nenhuma das suas chagas se cura

Querida emudecida canção,
use o seu tempo como pérola rara:
cure a sua mudez; procure o que
sara a sua familiar ferida.

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Eu senti a gênese deste poema, quando observei um arranhão numa parte do meu corpo, da qual, exatamente, não tenho certeza para dizer qual foi [acho que foi no braço].
E veio a mim, um pensamento: "será que para ser ferida, é preciso ser algo exterior? Ser visível? Por que é preciso ver para ser dor? Constatar com a própria visão o que é dor e o que não é?"
E se a dor for, simplesmente e de modo assustador, não perceber a dor que habita no mais profundo peito?
E se a dor for a cegueira existencial. O ser mudo em seu todo. A vida flagelada interinamente.
Há ferida externa e também, há muitas internas.
Eu aconselho a todos a procurarem a cura existencial.
E se alguém quiser uma orientação de onde encontrá-la, eu vou dar a minha palavra.

Quer o fim da ferida? Ou quer gastar o tempo da existência lutando em escondê-la e "maldizendo os gritos" botando a culpa nos outros ou em outras coisas?

Por: Marcello Ferreira.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

MARIA ALICE: PRIMEIRO CAPÍTULO

Ela chorava.
E pensava em revolucionar a tudo; tirar tudo do seu lugar. Estava difícil de se sentir bem com todos os pesos ocupando o seu espaço.
Por isso, Maria Alice enxugou as lágrimas com as próprias mãos, sujando-as com a água preta escorrida nos olhos, e não esperou a compaixão alheia.
Pegou a sua bolsa vermelha de couro sintético e foi.

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No dia anterior, além das provas nefastas da faculdade, ela provou ser mais forte do que se imaginava: terminou um namoro de quatro anos que foi um puro vai-vem, um gotejar de incômodo, de "não" e "sim" mal resolvidos.
Alice passava o tempo mais oprimida, sufocada do que amando e sentindo o amor no ar.
Mandou Fernando, o cruel "Fê", embora. Depois, engoliu o choro e com a bolsa vermelha de couro sintético, abriu a porta e foi.

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MINUTOS ANTES:
(POR LIGAÇÃO DO CELULAR)

Maria Alice: não quero mais você na minha vida!
Fernando: como assim?
Maria Alice: você pode não entender - como sempre - mas nós (gaguejou)... Nós não (nó na garganta)... Nós não podemos... Ai, meu Deus, como eu faço isso?
Fernando: Isso o que, Ma? Do que você tá falando?
Maria Alice: a gente não pode mais ficar juntos. Pra mim, o nosso namoro acabou e dessa vez não tem volta.

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MUITOS ANOS ATRÁS

Aos seis anos de idade, Maria Alice assistia às brigas diárias e violentas entre o seu pai esforçado e manso, porém, naquele momento, desempregado, e a sua mãe viciada em bingo e em casos com homens casados.
Naquele noite do abril, a pequenina chorou e soluçou muito, ao ver pai indo embora de casa, dizendo a ela, com vontade de chorar:
- Perdoe a sua mãe, mas nunca seja igual a ela. Lembre-se: perdoe a sua mãe.

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Hoje a mãe de Maria Alice ganha um gordo salário sendo secretária de um grande escritório de advocacia.
Esse salário vultuoso paga os estudos da filha tão confusa. Essa mãe há tempos não recebe uma expressão de carinho da filhota. Culpada, a dona Sandra? Pode ser.
Mas, olha o que vai acontecer na saída do escritório Lucchi & Gomes: um assalto.

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Maria Alice saía de casa com algumas malas. Ela tinha voltado do banco, no qual, sacou todo o dinheiro de sua conta para usar para o que precisasse sem ser rastreada pela polícia, quando a mãe descobrisse que ela havia ido embora de casa.
Foi até a rodoviária, naquele crepúsculo quente, e pegou um ônibus para uma cidade do interior. Sentada no seu assento confortável, enviou um SMS para a mãe: "Fui embora de casa. Adeus". E não chorou.

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Enfim, sob a brisa quente daquele início de noite, Sandra saía pomposa do escritório e foi surpreendida, no caminho até o seu carro, por um aviso:
- Me passa a chave do carro!
Então, assustada, ela estava sendo roubada por uma mulher, que também se chamava Maria Alice.
Enquanto isso, a filha que tinha acabado de terminar o namoro, ia embora para o interior.

CONTINUA...
(na PRÓXIMA SEXTA-FEIRA).

Por: Marcello Ferreira.